A Viagem ao Faz de Conta – 45 anos depois
Há quarenta e cinco anos, eu estreava meu primeiro pensamento no palco.
Era o Juca, da peça A Viagem ao Faz de Conta.
Era às quinze horas, no Teatro Procópio Ferreira.
E até hoje, ainda sinto o cheiro do teatro daquele dia —
o som das luzes sendo montadas,
o frio na barriga do desconhecido,
o medo do que estava por vir.
De repente, o mundo mágico se abriu.
O espetáculo começou.
Eu, uma criança de treze anos,
sem entender direito o que acontecia,
fui levado por aquela energia viva que só o palco tem.
Embarquei, sem saber, no foguete do faz de conta.
E nunca mais voltei.
Aquele menino não imaginava
que continuaria viajando nesse mesmo foguete
por toda a vida —
vivendo, sentindo, sonhando,
criando mundos e personagens,
descobrindo em cada cena uma nova forma de existir.
Foram 45 anos de arte.
De encontros, de cidades, de culturas, de países.
De aplausos e de silêncios.
Na minha carteira, o primeiro registro: ator, artista.
E foi com esse título que a vida me aposentou —
mas o coração não.
Porque não é possível parar de viver
aquilo que nos dá alma.
Percorri caminhos longos,
fiz amigos que o tempo não desfez,
guardo lembranças que o palco eternizou.
E o extraordinário aconteceu:
aquele menino que tinha medo do preconceito,
que via os colegas indo para universidades “de verdade”,
teve coragem de seguir o que lhe completava —
a arte.
Anos depois, meu paizinho me contou, com ternura,
que sofria preconceito por ter um filho ator.
Mas mesmo assim, ele e minha mãezinha
foram meu alicerce,
meus primeiros aplausos,
meus maiores mestres.
Hoje, com uma estrada longa e sólida,
continuo a viagem ao faz de conta.
Carrego comigo o amor, as experiências,
as amizades e o orgulho de nunca ter desistido —
mesmo quando precisei chorar sozinho,
com medo de não conseguir.
Mas consegui.
Sou mais que um vencedor.
A vida me premiou com o dom de viver a arte.
E mesmo sem meu paizinho aqui,
sinto sua presença a cada estreia,
a cada luz que se acende.
Foram 45 anos desde aquele primeiro passo no palco,
e hoje eu me abraço —
por ter acreditado,
por ter resistido,
por ter vivido intensamente.
Parabéns, Júnior.
Pelo menino sonhador, pelo homem forte,
pelo artista que nunca deixou de embarcar
na eterna viagem ao faz de conta.