Domingo à noite,
depois de um almoço em família,
a noitinha chega sorrateira,
e eu, que não gosto muito do pôr do sol,
sinto o peito apertar —
como se o dia dissesse adeus
devagar demais.
Hoje, confirmei uma entrevista.
Quase dez anos esperando por ela,
esse jornalista paciente.
Mal sabem…
Sou tímido, avesso a holofotes fora do palco.
Não gosto de entrevistas,
mas aceitei.
Pediram fotos.
E então, tive que visitar o passado.
E desde que papai partiu,
essa palavra — lembranças —
ganhou um gosto diferente.
Quase amargo.
As fotos, agora, falam outra língua.
Revelam mais do que mostram.
E ao vê-las, percebo:
Fiz tanta coisa…
No teatro, na TV, nos bastidores da arte.
Me pergunto:
Como coube tanta vida?
Mas foi aí que percebi:
As fotos que mais escolhi
foram da minha família.
Dos palcos improvisados da casa,
das viagens, aniversários,
almoços com cheiro de afeto
e cafés com gosto de eternidade.
Que bom poder dizer
que meu maior espetáculo
teve mamãe, papai, irmãos, sobrinhos,
meu companheiro — meu porto,
minha parceira de quatro patas,
fiéis à cena e ao coração.
Que nossa sala foi palco,
que o sol nos iluminava de verdade
e que a trilha sonora era
papai no violão,
mamãe cantando,
e a cachorrinha latindo no compasso certo,
como quem aplaude com amor.
Esse espetáculo chamado vida em família,
que não tinha roteiro,
mas que sempre soube emocionar.
Agora, falta gente no palco.
O vazio pesa.
Mas o espetáculo tem que continuar.
E a força vem do amor que ficou,
do que ainda pulsa entre nós.
Como mamãe canta, suave e forte:
“Canta, canta, minha gente,
deixa a tristeza pra lá…”
E esse poema
é só um desabafo —
de quem precisou escolher algumas fotos
e acabou revivendo
toda uma história de amor.